quinta-feira, 17 de maio de 2007

Carne de sangrar

Era hipnose. Seus olhos estavam vidrados na cena: o sol, iluminando o rosto dela, refletindo nos cabelos claros, e ela, serena, esperando. Divagou por várias horas sobre o que ela poderia estar esperando. Era encantador. Ela olhava para tudo, reparava em tudo. Olhos atentos. Esperando.
Logo quando chegou e se sentou, ela o olhou bem nos olhos. Ele ficou nu; ali, sem nenhum aviso, ela pôs-se a analisar sua alma. E ia fundo e voltava. Procurando. Esperando. Até que finalmente ela desviou o olhar. Mas ainda estava lá, o olhar grudado na alma dele. Bastaram segundos para ela colar-se à ele. Como podia? Aquele par de olhos não pertencia a ele!
Estava tomando coragem, aos poucos. Como sempre, pesando os prós e contras, os motivos e as desculpas. Odiava quebrar a rotina. Sempre que ia àquele lugar, sentava, tomava um café, lia e ficava observando as pessoas. Nunca imaginou que um dia ele seria o observado. Nunca imaginou.
Ele se levantou, com ela ainda lá, com seus olhos ainda lá, dentro dele.
- Acho que isto é seu. - E tentou arrancar o par de olhos. Imagine o susto dele ao ver que descolar aquele olhar sangrava! Apesar do esforço e de suportar a dor, não conseguiu se livrar da maldição.
- Não, isso é teu.
- Não quero.
- Não tens de querer. É teu, sempre foi.
- Nunca foi.
- Nunca parastes pra olhar.
- Olhar o quê?
E sem perceber, ele deixou ali nela seu olhar. E sangrava também.

Se levantaram em mundos opostos.

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