domingo, 30 de dezembro de 2007

Menina,

o que acontece com você?!
Quando foi que, de repente, você se tornou tão pessimista e descrente de tudo? E seus sonhos, menina, o que aconteceram com eles? E sua confiança, menina, o que aconteceu com ela?
Está certo, está certo, não é de agora... Mas antes eu ainda via um resquício de vitalidade, de grandeza. Escondidinhos lá no fundo dos olhos, mas eu via! Onde foram parar?
Você tem que parar, menina. Parar de se enganar, de acreditar em qualquer um que venha com palavras de ânimo pro seu ego, parar de fugir. Cria coragem, menina. Você pode adiar quantos anos quiser, mas isso será algo que vai perseguir você até o fim da vida. Seja forte, pequena, enfrenta seus medos. Você consegue.
Eu sei, eu sei que é difícil. Eu sei que você ainda vai cambalear um pouco até conseguir ficar firme em pé. Eu sei que não tem ninguém pra te ouvir ou tentar te entender, mas continua, menina. Continua. Não pensa nas coisas ruins... Não, pensa que você logo vai ser grande e vai poder se livrar de tudo que quer se livrar. Confia nisso, tem certeza disso, em você e vai ver, vai chegar lá.
O quê? Cansou? E o que há pra se cansar?! Você nem começou a viver, criança! Você sente falta?! De si mesma! Mas que bobagem, que bobagem! Não, pequena, você não pode! Não, pequena, olha pra mim! Aonde você vai assim? Pára com isso, agora! Você está me magoando, não diga essas coisas. Não, menina, por favor... Menina, o que aconteceu com você?!

domingo, 23 de dezembro de 2007

sobre o agora

O pior em crescer não é a responsabilidade, que aumenta, ou a alegria, que diminui (de acordo com meus modelos). O pior é que quanto mais velho você fica, mais você se dá conta de si mesmo. Mais pesado fica, e mais pesa pros outros. E os outros pesam pra você.
O esclarecimento é a maldição. Pior é crescer e os outros ainda te terem como aquela criança, imutável. Mas você mudou, e tudo mudou com você. E tudo se resume a uma questão: como carregar o peso da vida que agora se esclarece?
Não ensinam isso na escola, a família nunca fala disso. Temos que descobrir sozinhos, como em algum ritual de passagem? E se for pesado demais?
Tem aquele exato momento. O exato momento é aonde tudo se define, como nos filmes. Já perto do final tem um momento em que o protagonista bola um plano, na hora certa, pra se salvar: o exato momento. Se ele não tivesse se resolvido naquele minuto, provavelmente teria morrido nas mãos do vilão.
Então é o exato momento que se esclarece agora. Algum grito da natureza que acelera o relógio biológico: não temos mais tempo. E o tempo passa, sem parar. Sem parar. É algo angustiante, de verdade. Até que chega um momento em que você para de lutar: a água é fria demais, seus braços estão cansados, o peso da roupa te puxa pra baixo... Por que não?

Acho que todos nós deveríamos ter cães-guia.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Do tremor só sabia que fazia bem. Em sua simplicidade, adorava os arrepios. Às vezes tomava banhos frios de madrugada só para sentir. Tremer.
Lembra-se constantemente da vez em que foi assaltada, da arma apontada em sua boca e, ah!, do tremor. Como um vício, como o frasco cheio de uísque debaixo do paletó: corria àquilo por não ter onde se agarrar; e se entorpecia.
Pois o tremor era o oposto daquilo que faltava e que a assombrava. Ou seria consequência?
Só sabia que era sobrenatural, lhe dava arrepios. No frio, no medo, na ânsia, de dor: tremia.
O tremor afastava o espião. Afastava
a presença da mão do abraço em suas costas, abraço esse que já havia acabado, que nunca havia recebido. Mas, ah, a vida girava em torno daquilo. Daquelas mãos fantasmas, do peso, da garganta cortada.
Tremer era sua salvação. Era sua única chance de sentir seu sangue, seu pulmão. Única chance de ser toda vísceras. De se lembrar como é sentir. De tentar se lembrar como é sentir. De esquecer o que era o desejo
pulsante de continuamente desejar a vida.