segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O,

Obsessão me parece ter surgido assim, tão natural como impreterivelmente, como pequenas letras que tomam o caminho do papel. Assim, como vogais e consoantes sussurradas numa noite de descuido. Assim, como a lúdica história da noite de sua concepção, culpa da camisinha de má qualidade. Um acidente de percurso, ali há muito inquieto: Obsessão.

- O-b-ssse-sssão. - disse o rapaz sibilante ao pé da imaculada orelha.
A palavra lhe soou ameaçadora, mesmo que vinda dele. Nem chegava a ser um sentimento, era mais um estado. Quase como uma patologia, era isso? Era isso o que ele sentia por ela? Era isso o que ela tanto queria ouvir?
Levantou-se bruscamente. Havia um olhar austero em seu doce rosto, as bochechas haviam rapidamente ruborizado. Pensou que talvez não deveria ter perguntado. Aquele rapaz, ali, tão devotado a ela, tão confuso com sua reação, seria ele? Ao sentar-se lentamente, ela acreditava estar sentenciando sua morte. Não que ele fosse mau, ou que fosse perigoso, nem sequer misterioso: ele fazia questão de transparecer para ela, sem medo de doar-se completamente. Era quase como uma inversão de papéis.


"Amor, ela achou que fosse ouvir amor."
- Achou que eu fosse dizer amor? Mas é tudo tão muito além disso. Pra quê camuflar com uma palavra bonita meu verdadeiro sentimento, meu verdadeiro estado ao teu lado? Não te enganes: não sou o único a sentir, não me julgues como louco. Isso não é patologia: é a verdade. A mais nítida e repugnante verdade. É assim, não é? As pessoas temem a verdade, porque ela dói, e a camuflam com palavras bonitas pré-fabricadas, talvez copiadas de músicas românticas do Chico Buarque. Mas sabes que até o Chico queria dizer outras coisas com aquelas metáforas bem elaboradas? Ah, minha querida, me perdoa se me falta o pudor, me perdoa ter assim, um bruto coração visceral, mas é isso. Pra mim tu és obsessão.

No fundo, ela sabia. E no fundo, se envaidecia. Talvez a reação tenha surgido do inconsciente, onde ainda havia resquícios dos valores morais que ela tanto quis afastar. Sentou-se para a morte, porque o que mais lhe restaria fazer? Ele era tão morte como vida, como num romance doentio desses que acabam em tragédia. Era como porque, de fato, não era. Aquela palavra, então, antes de tudo, trouxe o percurso. O acidente sairia da boca, dos cheiros, das línguas, do suor, dos dentes, dos cabelos emaranhados, das pernas entrelaçadas, das mãos inquietas, dos corpos sem pudor.

Como, então, poderia ser diferente? Acidente e palavra se confudiram num só, ou já eram o mesmo antes que previssem as circunstâncias? Como fruto e semente, Obsessão me parece ter surgido assim. Um tanto tão que impronunciável, surgiu como casa e inquilino, mãe e filha, corpo e sangue, coração e adrenalina. O-b-se-ssão. Foge à regra porque veio assim: na hora que quis de um percurso inesperado.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Primeira pessoa

- Não quero mais nada, pode ir.
- Como não quer mais nada?
- Não quero! Cansei! Não quero!
- Nem um abraço, nem mais um beijo?
- Não.
- Nem um presente, e aquele CD que você queria?
- Não.
- E a minha presença?
- Não.
- Você quer que eu vá embora, é isso?!
- Não.
- O que você quer?
- Nada.
- O que você tem?
- Tudo. Se quiser pode ficar. - e o olhou, entregando-se secretamente.
- Não, não... O que aconteceu contigo?
- Nada, comigo nada. Essa não sou eu.
- Mas isso não está certo!
- Não. Está errado mesmo.
- Não é assim que você...
- Que eu o quê?

Silêncio.

- QUE EU O QUÊ?!?!

Viraria para olhá-lo, um olhar agressivo, e então ele saberia, a pegaria pela mão, a ensinaria, a tocaria, falaria palavras desconexas, gaguejaria, choraria, protestaria, diria que não é assim que ela. Mas cansou de supor, de ter esperanças: não se deu ao trabalho de decepcionar-se; sabia que viraria para apenas contemplar o vazio.



quinta-feira, 5 de junho de 2008

Sinestalgia

Não era ela: era seu pulmão. Era ele que se expandia na agonia de sentir o ar da lembrança dele.
Mas que inutilidade de pulmão! Queria poder sentir o cheiro todo de uma vez. Sentir agora, de uma vez só, para fazer o cheiro morar dentro dela e não mais no velho colchão em que costumavam deitar.
Virou-se de lado na cama para sentir a lembrança do ar quente que a respiração dele produzia em sua nuca. E tentou se lembrar da mão que costumava repousar em sua cintura.
Fazia isso todos os dias. Esperando inutilmente que, de algum modo, as lembranças dos sentidos se tornassem os próprios sentidos, para que, finalmente, ele morasse nela. Para que, finalmente, quando ela soprasse, fosse o sopro dele em sua nuca nos dias ensolarados; quando tocasse, fosse o leve toque de suas mãos repousadas no seu corpo; quando sorrisse, fosse pelas cócegas que os cabelos compridos dele lhe faziam no pescoço.
Pois ela não sabia ser uma casa vazia.

domingo, 1 de junho de 2008

me fodo nessa merda.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Querendo

Eu quero algo maior que eu. Algo que me afogue, me engula. Como um mar, só o mar, pra me tranquilizar. Pra me fazer esquecer das coisas que eu quero; das coisas impossíveis, impassáveis. Quero novas raízes.

sábado, 10 de maio de 2008

MAS ACONTECE QUE EU NÃO VOU ESQUECER A SUA COVARDIA, A JUDIARIA QUE VOCÊ UM DIA FEZ PRO COITADINHO DO MEU CORAÇÃO.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Abandono

Quando nem olhaste pra trás, nem sussurraste qualquer adeus, nem ensaiaste qualquer justificativa, nem quiseste desfazer, nem desmagoar, nem retirar a palavra cortada dentro de mim, eu soube que nunca foste meu. E o que haverei de encontrar no mundo pra chamar de meu? Quando todas as coisas podem ser minhas, mas não as quero, e o que quero mora enterrado no esquecimento. Mora em outra vida: já morou, já viveu, já calou, já sossegou, já enfrentou, já entopiu as artérias. E esqueceu de mim. Esqueci-me de mim.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

"Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão."

Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Me descubro em buraco negro.
E me suga, me engole, me seduz.

Diz-me: serei eu feita dele
ou será ele desde sempre feito em mim?

Cego, estremeço, uivo:
minha alma em rebuliço!
Mas que rebuliço!
Já és estimado, querido breu.

E se eu contasse, se assustariam?
Quem no mundo poderia se reconhecer em mim,
pois que não me reconheço?

Me perco, mergulho e sangro.
Sangro pra dentro de mim mesma desta vez;
e tomo cuidado para não exalar a putrefação.
Eu sou um labirinto.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Pensamento da tarde:
A sorte não passa de pura piedade divina.

segunda-feira, 17 de março de 2008

"(...) E dentro da nebulosidade algo precioso. Que não se espreguiçava, não se comprometia, não se contaminava. Que era intenso como uma jóia. Ela." Clarice, linda.

domingo, 16 de março de 2008

Futuro

Vou comprar os gatos desde agora, depois é só esperar envelhecer.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

"Lying is the most fun a girl can have without taking her clothes off."

Foi quando seus lábios borrados de vermelho brincaram. Haviam fingido e ninguém percebeu. O mundo não parou, ninguém olhou estranho, nenhum copo caiu, nenhuma boca se calou.
O sorriso brotando no canto de sua boca denunciava só aos mais atentos: uma revolução acontecera ali.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

D.

Você. Andando devagar na rua que tão bem você conhece. Sentindo humildemente o sopro leve do vento em seu rosto. Ouvindo o arrastar das suas sandálias na calçada e o tilintar que as fivelas delas fazem quando você desce um degrau. Você maravilhado com sua sombra, que muda de formato e tamanho a cada casa que você passa. Parando um instante para talvez ouvir o suspiro da senhora que vê um filme comédia romântica, chorando e suspirando. ("Por que eu não tive um amor desses?"). "Por que as pessoas estão sempre ocupadas com o desejo de serem amadas?" Você ri. Aquele seu sorriso que eu tanto conheço bem. Aquele onde você só mexe o canto dos lábios, faz um barulho engraçado e deixa os dentes aparecerem um pouquinho, tão brancos. Eu conheço esse sorriso. A rua deserta. Nada além da noite e não são nem dez horas. O mundo deserto. "Não seria tão ruim, não acha?". Ninguém no mundo além de você... Não é má idéia. Você. Você gostava de quando o sol batia no seu rosto e deixava seus olhos tão transparentes daquele jeito. Você gostava porque eu gostava. Eu lembro que você sempre tinha respostas. Mas não lembro quais eram. Você insistia em usar aquela camisa xadrez, mesmo que ninguém falasse com você por causa dela. Por que ninguém falava com você? Eu queria aquela camisa. Eu lembro o quanto você ria de mim e eu me sentia mal por isso. Você dizia as coisas e não parava. Você e seu mundo deserto. Você dizia as coisas e parava, do nada. O deserto parecia grande demais? E a chuva pesada demais. Os pingos doíam na sua pele. Você me esquecia e não se importava com isso. Você era de todo o mundo antes de chegar a mim. Era de todo seu deserto e suas miragens antes que eu pudesse ver o sol transformar seu rosto. Acho que você fez mal em tentar se entender. Você fez mal muitas vezes. Quase já não posso ver seu sorriso...
Incrível como a noite fica mais escura com o passar do tempo.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008