terça-feira, 29 de maio de 2007

E, às vezes, contra todas as chances, contra toda lógica, nos tocamos.

Dizem que ele já foi pai de família. Outros especulam que não passa de um vagabundo. Falam sobre ele o dia todo, sem cessar, fofocando e criando novas idéias. "Gente é um bicho doido", o papagaio da quitanda não cansa de repetir. O homem nenhum mal fazia, mas também nenhum bem manifestava. Sequer se pronunciava ou gemia. E o povo a falar e repetir e enumerar e aumentar e sugerir e concordar. Mas ninguém, nenhuma viv'alma se propôs a ir lá e sentar-se ao seu lado: "Me conte".
Mas havia uma garota de tranças no cabelo, calças jeans e um sapato velho. A ela sempre fascinara o mar. Nunca o vira, mas sabia que era de tamanha beleza que palavras não serviam para descrevê-lo. Sabia do gosto de sal e do grude que fazia nos cabelos. E do sol que, com a água, dourava as meninas na praia.
Um dia, enquanto observava sua mão, vermelha ao toque do sol, ouviu sobre o homem:
- Dizem que ele tem uns olho que nem que é a cor do mar! Eu duvido... ouvi dizer que mar nem tem cor.
Seu coração acelerou.
Encontrou-o no lugar de onde ele não saía, sentado, de olhos pro chão. Ajoelhou-se na frente dele e foi quando ele levantou a cabeça. Teresa pôde ver a si mesma naquelas ondas e enxergou cor onde a mulher havia dito que não havia. Perdeu-se; esqueceu-se da cidade, da mulher, do mar, do homem e dela mesma.
E até hoje as pessoas da cidade repetem e enumeram e aumentam e sugerem e concordam sobre como a menina afogou-se no azul.

sábado, 19 de maio de 2007

Fascinação

A que ponto começa a loucura? Quando as vozes aparecem e, com elas, os discos voadores?
Ninguém nunca realmente acredita nos loucos. Justamente o porquê de interná-los em lugares estranhos a eles, furá-los com agulhas e entupi-los com pílulas. Pois eu tenho uma pequena simpatia por loucos. Não sei explicar muito bem porque, mas tenho.
Deve ser por causa do escape. A loucura é um subterfúgio pra largar tudo o que há aqui neste mundo, na rotina de cada dia. É a culminância da solidão somada ao desespero. A agonia com o segredo, o nó na garganta, o grito cortado, a palavra apagada, o desejo se esvaindo. É a imaginação que não cessa de criar e figurar e pregar peças. É quando você acorda e não consegue distingüir o sonho da realidade, pois quem disse que a loucura dura pra sempre? Somos loucos por segundos e até minutos.
Você nunca parou pra pensar naquela teoria que diz que isto aqui que é o sonho e aquilo que supostamente sonhamos é a realidade? Nunca pensou que todo este Universo é uma brincadeira de qualquer criança mimada com muita tecnologia em suas mãos? Nunca mirou tanto numa idéia que, de repente, ela passou outro dia andando na rua? Ou vai dizer que nunca tornou uma fantasia tão real ao ponto de quase tocá-la?
Vivo momentos de ódio que são bem similares àqueles sublimes momentos de certeza. Minto: os de ódio são exatamente opostos aos de certeza. Na verdade, o ódio é causado pela incerteza. Isso tudo é real? O que realmente importa? Até quando vai ser assim? E os porquês que a criança de 4 anos não para de se perguntar.
Mas, pior do que os sublimes momentos de certeza, que duram minutos, os de ódio duram dias, semanas, às vezes nunca vão embora e se transformam em loucura. Diga-me, a loucura é algo ruim? Você acha? Talvez o que seja ruim pra você não seja pra mim. Como mentir. Estava pensando outro dia nisso. Morro de vontade de sair contando mentiras pra desconhecidos (ou até mesmo conhecidos), só pra me divertir um pouco comigo mesma. Mas me falta coragem.
Uma coisa que volta e meia me revolta são os valores morais da sociedade. É o famoso 'isso é certo', 'isso é errado'. São os limites, sim. É dizer o quão alto você pode voar, pra não cair. Mas e se quiséssemos cair? E aqueles que caem? Ah, esses são os renegados, os sujos, os imundos, a escória, a podridão da humanidade. Porque o ser humano que é ser humano não pode se dar ao luxo de cair...! Luxo, sim. Pois loucura é libertação.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

, por favor.

Ela via nele algo que nunca vira antes em ninguém. Ela via nele a ânsia de procurá-la em todas as esquinas, em todas as lacunas, em todos os suspiros, em todos os risos, em todas as lágrimas, em todos os passos, em todo olhar, em toda frase, em toda gíria, em toda mania. Ela via o que queria, sem nem mesmo isso existir.
E ele se aproximou, sério. E ele a olhou, concentrado. Havia ali uma grande missão, uma música lenta e melancólica seria bem-vinda. Ela nem se via, não conseguia; era impossível. Ele, parado ali, era o mundo, o infinito, a vida, o passado. Ele ali, com aquele olhar instigador, era ela. Ele era seu reflexo. Ele era. Ele não existia.
E ele levantava suas (lindas) mãos, segurava seu rosto nelas. Com os polegares, alcançava os olhos. Sentia seu queixo, sua pele, sentia seus cílios trêmulos. E como um cego, ele a reconhecia: bela. E como aquele que encontra o que procurava, ele sorri. Mas ela nada vê. Ela está de olhos fechados, está nas mãos dele.
Ela abre os olhos. E vê o sorriso sincero, o olhar sincero, o toque sincero. Ele. Ah, ele. E comovida por tamanha sinceridade, ela chora. Chora. Reflexo do reflexo, a faz chorar. Ele a sorrir, ela a chorar. E na mistura do pranto-prazer, ela vê que finalmente chegou onde queria. A esperada sensação de que afinal é o fim a faz suspirar. Alívio.
E ele, gentilmente, diz:
- Agora vá.

Such Great Heights

I was thinking it's a sign that the freckles in our eyes are mirror images and when we kiss they're perfectly aligned. And I have to speculate that god himself did make us into corresponding shapes like puzzle pieces from the clay. And true, it may seem like a stretch, but its thoughts like this that catch my troubled head when you're away, when I am missing you to death. When you are out there on the road for several weeks of shows and when you scan the radio, I hope this song will guide you home.They will see us waving from such great heights; "Come down now," they'll say. But everything looks perfect from far away; "Come down now", but we'll stay... I tried my best to leave this all on your machine but the persistant beat it soundedthin upon listening and that frankly will not fly. You will hear the shrillest highs and lowest lows with the windows down when this is guiding you home.

Alma minha de todo o dia

Há aqueles momentos sublimes e intocáveis em que o ser humano sabe exatamente quem é e se sente confiante diante de si mesmo. Tem certeza de tudo e se sente forte; é jovem, mesmo velho. É aquele momento sublime em que a alma sobe do fundo de onde quer que ela esteja dentro de nós, e se gruda com a pele. E tudo o que você toca é a alma que sente. Tudo o que vê, é a alma que vê. Tudo o que ouve, é a alma que ouve. É ela ali no espelho, sorrindo pra você, quase como uma criança travessa. E a respiração se torna mais fraca e calma. E você consegue ouvir as batidas do seu coração. Você é grande! Gigante! Você está além! Além!!!
E então, lentamente, tua alma vai apagando o sorriso e, como que se despedindo para toda a eternidade, te olha com os olhos mais deseperadamente calmos; e num sussurro quase inaudível, ou talvez seja loucura, te anima e te beija.


Magnus se foi.

Carne de sangrar

Era hipnose. Seus olhos estavam vidrados na cena: o sol, iluminando o rosto dela, refletindo nos cabelos claros, e ela, serena, esperando. Divagou por várias horas sobre o que ela poderia estar esperando. Era encantador. Ela olhava para tudo, reparava em tudo. Olhos atentos. Esperando.
Logo quando chegou e se sentou, ela o olhou bem nos olhos. Ele ficou nu; ali, sem nenhum aviso, ela pôs-se a analisar sua alma. E ia fundo e voltava. Procurando. Esperando. Até que finalmente ela desviou o olhar. Mas ainda estava lá, o olhar grudado na alma dele. Bastaram segundos para ela colar-se à ele. Como podia? Aquele par de olhos não pertencia a ele!
Estava tomando coragem, aos poucos. Como sempre, pesando os prós e contras, os motivos e as desculpas. Odiava quebrar a rotina. Sempre que ia àquele lugar, sentava, tomava um café, lia e ficava observando as pessoas. Nunca imaginou que um dia ele seria o observado. Nunca imaginou.
Ele se levantou, com ela ainda lá, com seus olhos ainda lá, dentro dele.
- Acho que isto é seu. - E tentou arrancar o par de olhos. Imagine o susto dele ao ver que descolar aquele olhar sangrava! Apesar do esforço e de suportar a dor, não conseguiu se livrar da maldição.
- Não, isso é teu.
- Não quero.
- Não tens de querer. É teu, sempre foi.
- Nunca foi.
- Nunca parastes pra olhar.
- Olhar o quê?
E sem perceber, ele deixou ali nela seu olhar. E sangrava também.

Se levantaram em mundos opostos.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Da manchete:

Ai! Se sêsse!...
Zé da Luz

Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dois se impariásse,
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse
te dizê quarqué toulíce?
E se eu me arriminasse
e tu cum eu insistisse
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse
e o bucho do céu furasse?...
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virgi tôdas fugisse!!!