Achava que se passasse a viver assim, na marola, pegando a rebarba que ele deixava, que tudo bem. Porque era ele. Sabia que se encasquetasse de se rebelar contra o silêncio seria o caos total. Aí sim, ele dava o fora na hora, não aguentava o tranco. E ele lá era homem de dar o fora? E ele lá era homem?
Criou a teoria de que: "homens mesmo: tá difícil". Depois riu. Quanta besteira! Queria esbugalhar ele todo, apertar todinho, que raiva, raivinha, daquelas bem mesquinhas que ficam fofocando da vida alheia. Mediocrezinha. E apertava com força mesmo, quem sabe saía sangue daquele olho que não falava nada, daquele coração que não sabia de nada, daquelas veias todas pútridas de noite-após-noite-não-tenho-nada-com-você.
Que homem feio, meu deus. Ela queria criticar tudo. Todo o jeito de ser, de sentir, de falar, de correr, de dançar, de tudo. Vamos acabar com essa palhaçada: tem que ser perfeito assim e pronto. E ele sem entender, coitado. Sem entender o pouco caso dela, a falta de qualquer coisa que fosse pra ter no lugar daquilo. Coitados. Nenhum dos dois entendia. Nenhum dos dois sabia da grande mentira que as pessoas passaram a vida toda inventando.
Levantaram assim, devagar, com preguiça, cansados de si, cansados um do outro. Ele olhou aquela pele e pensou que pele era um negócio engraçado. Engraçado esse negócio de tocar, ele pensou. Depois pensou que estava pensando como ela. E pensou que quando a cabeça acaba sendo uma só, o coração acaba esquecido. Pensou que isso não fazia sentido. Pensou que sabia que nada daquilo, nada, nem por um minuto, tinha valido a pena. Mas ela se mexeu. Mas ele sentiu.
Leu a letra podre de covardia, cansaço, vou-ou-não-vou dele. Dizia que não queria mais não entender. Que queria achar uma mulher e assistir um filme bonito com ela e só. Sem todo aquele peso depois. Ela agradeceu e recebeu a leveza com coragem.
Um comentário:
Faz tempo que não vejo um jovem escritor competente como você.
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