quinta-feira, 4 de março de 2010

Escuro

Quando sentia aquelas vontades que vinham encher seus olhos e depois de um instante passavam, pensava em como ele não entenderia nada daquilo. Ele olharia, atencioso, como o bom rapaz que sempre foi, iria até estender a mão, quem sabe, em um ato novo de atitude, mas nunca entenderia. Nem ela. De onde brotava aquela raiva por tudo aquilo que ela via sem saber? Aquelas coisas que apareciam na frente dela sem ela pedir. Aqueles nomes, aquelas cores, aquelas similaridades. Ele crê em quê? Ele quer o quê? Do que ele fala? Pra onde quer ir?
Achava que se passasse a viver assim, na marola, pegando a rebarba que ele deixava, que tudo bem. Porque era ele. Sabia que se encasquetasse de se rebelar contra o silêncio seria o caos total. Aí sim, ele dava o fora na hora, não aguentava o tranco. E ele lá era homem de dar o fora? E ele lá era homem?
Criou a teoria de que: "homens mesmo: tá difícil". Depois riu. Quanta besteira! Queria esbugalhar ele todo, apertar todinho, que raiva, raivinha, daquelas bem mesquinhas que ficam fofocando da vida alheia. Mediocrezinha. E apertava com força mesmo, quem sabe saía sangue daquele olho que não falava nada, daquele coração que não sabia de nada, daquelas veias todas pútridas de noite-após-noite-não-tenho-nada-com-você.
Que homem feio, meu deus. Ela queria criticar tudo. Todo o jeito de ser, de sentir, de falar, de correr, de dançar, de tudo. Vamos acabar com essa palhaçada: tem que ser perfeito assim e pronto. E ele sem entender, coitado. Sem entender o pouco caso dela, a falta de qualquer coisa que fosse pra ter no lugar daquilo. Coitados. Nenhum dos dois entendia. Nenhum dos dois sabia da grande mentira que as pessoas passaram a vida toda inventando.
Levantaram assim, devagar, com preguiça, cansados de si, cansados um do outro. Ele olhou aquela pele e pensou que pele era um negócio engraçado. Engraçado esse negócio de tocar, ele pensou. Depois pensou que estava pensando como ela. E pensou que quando a cabeça acaba sendo uma só, o coração acaba esquecido. Pensou que isso não fazia sentido. Pensou que sabia que nada daquilo, nada, nem por um minuto, tinha valido a pena. Mas ela se mexeu. Mas ele sentiu.
Leu a letra podre de covardia, cansaço, vou-ou-não-vou dele. Dizia que não queria mais não entender. Que queria achar uma mulher e assistir um filme bonito com ela e só. Sem todo aquele peso depois. Ela agradeceu e recebeu a leveza com coragem.

Um comentário:

Anônimo disse...

Faz tempo que não vejo um jovem escritor competente como você.