segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Pra poder dormir

- Eu acho que descobri porque não gosto de ser casal. - em tom casual, sob o efeito das últimas cervejas que ela não pagou e com o vidro do carro abaixado pra sentir a brisa fria de mais uma madrugada naquela cidade quente. - É que ser casal é clichê. Eu não gosto de fazer parte de clichês. Todo mundo algum dia foi, é, ou será casal.
- Hm. - em tom distraído, sob a concentração máxima pra não dormir no volante e com o vidro abaixado pra gelar os olhos e apagar mais aquele gasto desnecessário de dinheiro.
- Escuta, eu não quero que a gente se torne Laura e Mateus. Nem Mateus e Laura. Pra quando perguntem: "Que Laura?", respondam: "A do Mateus". Ou pra quando perguntem: "Que Mateus?", respondam: "O da Laura". Porra, eu sou eu e tu és tu, sabe.
- Por quê esse medo de que a gente se confunda, se mescle, vire um?
- É que eu sou muito minha ainda pra conseguir me dividir assim, explicitamente. E digo explicitamente porque eu me divido implicitamente contigo. Divido meu silêncio e a minha solidão, e isso é o máximo de si que se pode dividir. Implicitamente falando.
...
- Os outros só não podem saber disso, né? - e riu, debochando. - Acabaria com essa tua ilusão de independente-num-mundo-só-meu-que-só-eu-entendo. E aí, acabaria com a gente.
- É. Mas sem essa merda clichê de um mundo só meu. Até parece...
- Mas, porra, é um mundo só teu mesmo. Tu és só tua de um jeito que só tu podes ser. Mesmo. Não dá pra fugir do clichê.
- Não dá pra fugir de ser a Laura do Mateus. Merda. - em um sorriso que ele não precisava olhar pra saber que estava ali.

sábado, 28 de novembro de 2009

Das coisas que permanecerão não-ditas

Acho que toda vez que eu for lembrar de ti, vou lembrar assim, de ti todo iluminado pelo sol que me cegava. Vou lembrar de ter descoberto as tuas sardas e do modo como os teus cílios enfeitam o teu rosto. Vou lembrar dos pêlos da tua cara e do contato natural que tens comigo. Eu vou lembrar de que o que é bonito em ti não são os olhos verdes, mas esse sorriso de moleque. Vou lembrar dos teus braços bonitos (porque ainda bem que eles são bonitos, eu gosto assim). Vou lembrar que tu suas muito quando bate a menor evidência de calor, mas que isso não me incomoda. Vou lembrar de como essa beleza toda não me assusta mais, porque em ti eu vejo um bicho manso. Vou lembrar que eu fechei os olhos pra entender que o tempo pode me trazer mais de ti, e que, na verdade, eu não sei bem o que é tudo isso. Vou lembrar que tu és uma surpresa engraçada, porque não sei quem tu és. Vou lembrar dessa ingenuidade que transparece, que parece mentira, que parece te afastar de qualquer pista sobre mim. Eu vou lembrar das tuas músicas piegas e da esperança de algum dia poder te deixar triste ao dizer, sinceramente, que não gosto delas. Mas eu só vou lembrar de tudo isso quando ler esse texto, porque não sei o quanto vais demorar em mim pra eu saber que vou esquecer dos detalhes desse projeto de nós dois.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

A verborragia metaforizada, já não sei mais. Eu não sei mais fazer poesia.
- Tá tudo bem?
Eu não vejo nada de errado. O problema é que, espera, não há problema. Nada. É tudo muito pequenininho, se você parar pra pensar. E não tem nada de errado em questionar um "tudo" como resposta.
O tempo passa, juro que passa muito rápido pra eu conseguir me sentir mais velha. Ou só me sentir. Não, não é drama. Não é despertar. É uma calma. Só. Uma aceitação do presente. Você vê, as ondas dos desdobramentos confusos se aquietaram. Olha só, mas eu não tô afundando nesse mar de calmaria. Ou tô? Não, nã-na-ni-na-não, i'm not falling down. I'm floating.
Eu cheguei aqui pra te dizer que tudo isso que se passou nesse ano cheio de coisas a se passar ainda em mim, eu construí um mar denso de mim. Eu construí uma pessoa a mais que se juntou aos peixes e às algas, nessa mistura louca de um mar bom pra banho. Olha como o mar tá bom pra banho hoje. Tá mesmo. E eu te levaria lá, com toda a boa vontade, mas... bom, é um mar calmo demais pra ser perturbado com seus braços, passos, pernas, cabelos. Não é que não deva ser perturbado, mas olha como ele tá bem assim. Vamos flutuar aqui um pouco, olhando essa calmaria impossível e dizendo pra nós mesmos que um dia surgirá algo pelo qual valha a pena dar um mergulho.